Não dou especial importância à celebração do Dia da Mulher! Aliás, irrita-me um bocadinho que tenha de existir uma data específica para celebrar uma coisa que devia ser óbvia desde a existência humana: a Igualdade. Mas quanto ao que ficou para trás nada há a fazer, por isso, decidi alinhar no espírito da coisa e prestar uma homenagem a uma senhora que tive o privilégio de conhecer e entrevistar. Chama-se Maria Amélia Sousa Ferreira Chaves e foi a primeira mulher a licenciar-se em Engenharia Civil pelo Instituto Superior Técnico de Lisboa. Antes dela, consta que Rita Moraes Sarmento tinha conquistado o mesmo diploma, em 1896, embora nunca tenha chegado a exercer a profissão. Já Maria Amélia fiscalizou obras, assinou projectos e acompanhou a construção dos mesmos. Com toda a legitimidade, pode assim ser considerada a Primeira Engenheira Civil Portuguesa. Foi inscrita na Ordem dos Engenheiros em 1938 com o número 13491950.
Como tudo começou...
Tinha vinte anos quando decidiu inscrever-se no curso, em 1931. Estava psicologicamente preparada para o braço de ferro contra os inevitáveis preconceitos, apesar de afirmar que foi agradavelmente surpreendida pelo apoio e respeito dos colegas de turma. Entre eles os conceituados engenheiros Manuel Rocha, Manuel Leitão, Tomás Eiró, Cambournac, Augusto Bandeira, Saraiva e Sousa, Alberto Manzanares Abecassis e Manuel Bravo. No decorrer do curso conta que era frequentemente alvo de cavalheirismos que considerava desnecessários: "A minha luta pela igualdade de tratamento em relação aos homens começou na universidade. Detestava actos de cavalheirismo mas havia um professor, o Dr. Mira Fernandes, que fazia questão que eu fosse sempre a primeira a entrar na sala de aula. Foi complicado fazê-lo perceber que eu não gostava dessas coisas mas compreendo que naquele tempo isso tinha uma importância muito grande".
Nasceu a 28 de Janeiro de 1911. Filha do general Ferreira Chaves e de Cassilda Sousa, Maria Amélia contou-me que a reacção dos pais à sua opção de carreira foi a melhor possível "a minha mãe preferia que eu tivesse tirado Letras mas conformou-se depressa com esta decisão. O meu pai, como sempre foi um bocado atirado para a frente, apoiou-me a 100% porque acima de tudo queria muito que a filha fizesse alguma coisa especial e diferente na vida".
Em 1937, já de canudo na mão e uma média final de 13,5 valores, não encontrou obstáculos quando se lançou à procura do primeiro emprego: "Fui avisada por dezenas de pessoas que ia ser quase impossível arranjar trabalho como engenheira, numa área que era exclusivamente dominada por homens. Soube entretanto que na Câmara Municipal de Lisboa havia muitas vagas mas era um sítio com muito má fama e fui aconselhada a não concorrer. Acontece que sou naturalmente do contra e lá achei que era precisamente ali que ia conseguir vingar na profissão e provar que conseguia ser tão boa engenheira como os homens. Fui lá bater à porta e pedi emprego". Em boa hora o fez! Por lá estagiou, orientada pelo engenheiro Eduardo Arantes, mas o desejo de ir para o terreno fiscalizar obras falou mais alto: "Estava cansada de ficar sentada num escritório mas os meus chefes não me queriam deixar sair dali. Foi então que pedi a primeira e última cunha da minha vida ao meu pai, que conhecia muito bem o general que estava à frente da Câmara e a única pessoa que podia autorizar-me a fazer a mudança".
Prevenida para as consequências de ser a primeira mulher no país a comandar um grupo de operários, Maria Amélia vestiu-se a rigor "usava uma saia com calças por baixo". E lá foi ela para a sua primeira obra de Lisboa. A coisa correu melhor do que esperava e pouco tempo depois da sua estreia conquistou a admiração e o respeito de todos os operários. Foi autora dos primeiros ensaios anti-sísmicos realizados no nosso país e que foram objecto de duas comunicações por si apresentadas no Primeiro Simpósio dos Sismos, realizado em Lisboa, em 1955.
Um ano a fiscalizar obras fez-se acompanhar pela sensação de que estava na altura de apostar outra vez na mudança. De regresso à Câmara de Lisboa, desta vez para a revisão de projectos, sabia, apesar de tudo, que seria um posto de transição: "Estive lá três anos e meio até que acabei por pedir demissão. Era um trabalho que já não me interessava". Decidiu fazer uma pausa de 12 meses, aproveitou para descansar e organizar ideias :"Passei um ano sem fazer nada e quando voltei à carga dediquei-me aos cálculos para vários projectos e construções". Em regime de profissão liberal projectou edifícios espalhados pelos 4 cantos do país. Nos últimos trinta anos de carreira empenhou-se na urbanização e cosntrução imobiliária da capital e arredores. Aos 60 e poucos anos, em parceria com alguns colegas empreiteiros, construiu o chamado Bairro da Assunção, em Cascais. E profissionalmente garante que não deixou sonhos por concretizar.
A vida pessoal
Em 1939 casou com o colega de profissão, o engenheiro militar Afonso Magalhães de Almeida Fernandes, que chegou a ministro do Exército. Tiveram 5 filhos, 3 deles engenheiros, e duas filhas, que casaram também com engenheiros. Um dia, teve a infelicidade de sofrer um acidente na Avenida de Roma e perdeu uma perna. Uma situação trágica que, apesar de tudo, encarou com optimismo: "já tinha quase 90 anos e andava a atravessar uma fase da vida em que não conseguia parar para pensar. Tinha sempre mil e uma coisas para fazer. O facto de ter ficado sem uma perna teve até um lado positivo. Passei a meditar mais sobre tudo e a tomar decisões que me fizeram muito mais feliz a nível pessoal". Quando digo isto as pessoas ficam chocadas mas é assim mesmo que penso.
Parabéns Maria Amélia!